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SUFRAMA submete-se aos estados e pratica ilegalidades

dezembro 10, 2014

I – Introdução
1. Tem causado extrema preocupação aos empresários e aos profissionais militantes na área do direito empresarial, providências que vêm sendo tomadas pelas autoridades da Superintendência da Zona Franca de Manaus (“SUFRAMA”), promovendo o “desinternamento” de mercadorias entradas na Zona Franca de Manaus (“ZFM”). Tais providências resumem-se no seguinte: a pedido de um determinado Estado as autoridades da SUFRAMA baixam do seu sítio eletrônico as certificações de entradas de mercadorias na região da ZFM que havia atestado, sem mesmo comunicar tal providência à pessoa jurídica remetente das mesmas mercadorias, permitindo à Fazenda Estadual autuar tal remetente pela não remessa destas mesmas mercadorias, e exigir-lhe o respectivo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”).
2. Nestes casos, as autoridades da SUFRAMA tomam o dito pelo não dito, o certificado pelo não certificado, e o fazem com fundamento no parágrafo 3º, da Cláusula 19º, do Convênio ICMS 23, de 04.04.2008, firmado entre o Conselho de Política Fazendária (“CONFAZ”) e a SUFRAMA.
II – Convênios. Limites constitucionais e legais do seu conteúdo
3. A primeira invalidade destas “desinternações” já está no seu próprio fundamento, pois a SUFRAMA não é pessoa política apta a assinar Convênios com os Estados Federados. A SUFRAMA é autarquia federal constituída a partir do Decreto-lei nº. 288, de 28.02.1967 com a finalidade precípua de administrar a ZFM, e tem seus poderes restritos aos de uma autarquia que não exerce funções legislativas.
4. De fato, nos termos do Decreto-lei nº. 200, de 25.12.1967, a “autarquia é um serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.” (os negritos não constam do original)
5. Os Estados, estes sim, enquanto pessoas políticas, guardam poderes legislativos para firmar Convênios, constante do artigo 155, da Constituição Federal:
“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:

XII – cabe à lei complementar:

(g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” (os negritos não constam do original)
6. A Lei Complementar determinada pelo texto constitucional anteriormente citado é a Lei Complementar nº. 24, de 07.01.1965, cujo artigo 1º dispõe:
“Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal.”
7. A leitura tanto do texto constitucional como do teor da Lei Complementar retro citados, mostra que esta atribuição de competência legislativa aos Estados, para estabelecerem normas mediante Convênios é extremamente restrita: só se presta à instituição de isenções e benefícios fiscais bem como à sua revogação.
8. Não podem os Estados estabelecer normas de fiscalização mediante Convênio, muito menos pode a SUFRAMA enquanto autarquia do Poder Executivo Federal legislar a respeito de regras fiscalizatórias mediante sua participação em Convênios. Só por isso já é nula, incapaz de produzir os efeitos pretendidos, a Cláusula 19º, do Convênio ICMS 23/2008.
III – A SUFRAMA descumpre princípios constitucionais
9. Como já assinalado, as “desinternações” em questão têm sido levadas a efeito com fundamento no parágrafo 3º, da Cláusula 19º, do Convênio ICMS 23/2008, que guarda a seguinte redação:
“§ 3º – As Secretarias de Fazenda, Finanças, Receita ou tributação das unidades federadas, a qualquer tempo, poderão solicitar à SUFRAMA o desinternamento de produtos, quando constatadas irregularidades no ingresso ou indícios de simulação de remessa para as áreas incentivadas de que trata este Convênio.” (os negritos não constam do original)
10. O primeiro que se nota da leitura do texto da legislação tributária citado no item imediatamente anterior, é que as Fazendas Públicas Estaduais poderão solicitar (pedir, requestar, requerer) determinado desinternamento. No entanto, a realidade tem demonstrado que as autoridades da SUFRAMA, diante de tais solicitações têm, sem qualquer outra providência, simplesmente procedido às desinternações requeridas comunicando-as diretamente à Fazenda Estadual solicitante.
11. Aquele procedimento das autoridades da SUFRAMA fere diversos princípios, dispositivos e sobreprincípios constitucionais, especialmente se tivermos em conta que, tais desinternamentos são atos administrativos, pois têm todas as características destes :
(a) “trata-se de declaração jurídica, ou seja, de manifestação que produz efeitos de direito”, pois ao afastar a certificação de entradas de mercadorias na ZFM, produz o efeito jurídico de impedir a comprovação da isenção do ICMS nas remessas de mercadorias para a região; e,
(b) “provém do Estado, ou de quem esteja investido em prerrogativas estatais” sendo que a SUFRAMA, enquanto Autarquia Federal, esta investida na prerrogativa de realizar tais certificações.
(i) Infringência ao princípio constitucional da legalidade dos atos administrativos
12. Por sua importância nas relações entre os cidadãos e o Poder Público, todo o regramento dos atos administrativos está previsto na Constituição. De maneira mais explícita no seu artigo 37 que obriga a administração pública a obedecer os princípios da legalidade e da publicidade dos atos administrativos.
13. Nos termos do artigo 1º da Constituição Federal, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, e a tradução deste dispositivo constitucional se dá, entre outros, pelo princípio segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
14. No tocante à atividade administrativa este princípio constitucional da legalidade impõe que ela “não deve apenas ser exercida sem contraste com a lei, mas inclusive, só pode ser exercida nos termos de autorização contida no sistema legal. A legalidade na Administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas pressupõe autorização dela como condição da sua ação. Administrar é, conforme Seabra Fagundes em frase lapidar, “aplicar a lei de ofício”” . Como bem disse o Professor Hely Lopes Meirelles “na administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” .
15. Neste caso específico, não existe lei que permita às Autoridades da SUFRAMA, suprimir certificação anteriormente concedida, poiscomo anteriormente demonstrado, o parágrafo 3º, da Cláusula 19º, do Convênio ICMS 23/2008 não se presta a tal finalidade.
(ii) Infringência ao princípio da publicidade dos atos administrativos
16. Embora explícito na Constituição Federal (artigo 37), o princípio da publicidade dos atos administrativos decorre ainda do princípio constitucional da legalidade, pois é a publicidade daqueles atos que permite aos administrados conhecerem sua motivação e, por consequência, sua legalidade. Além da publicidade obrigatória genérica dos atos administrativos, que deve leva-los ao conhecimento de todos os cidadãos, tem-se como até mais necessária aquela a que tem direito o administrado diretamente atingido pelo ato.
17. No entanto, a prática nestes casos é de que a SUFRAMA não tem comunicado as desinternações por ela praticadas aos interessados mas tão somente às Fazendas Estaduais solicitantes.
(iii) Infringência ao princípio da motivação dos atos administrativos
18. O princípio da motivação dos atos administrativos também decorre do princípio constitucional da legalidade, pois o cidadão só pode saber se este segundo foi respeitado se conhecer a motivação do ato o atinge e, portanto, da legislação informadora do mesmo e da adequação legislação/ato.
19. Como nestes casos as Autoridades da SUFRAMA sequer comunicam aos interessados a prática de tais atos, estes restam desmotivados.
20. O mais provável é que tal motivação inexista já que a certificação de entrada de mercadorias na ZFM é ato que se esgota em si mesmo: a autoridade verifica a chegada das mercadorias nos terminais de carga próprios, as confere, as coteja com a documentação fiscal que as acompanha, e certifica sua entrada na região. Tempos depois, utilizadas as mesmas mercadorias em processos industriais e operações comerciais, não há como declarar que elas não entraram na ZFM, não há como baixar validamente a certificação concedida, não há como dizer que não se viu o que se viu.
(iv) Infringência ao princípio do devido processo legal
21. Aquela motivação poderia decorrer de processo administrativo próprio instaurado pelas Autoridades da SUFRAMA no âmbito daquela autarquia. Por meio deste processo administrativo provar-se-ia ter ocorrido ou não leniência das mesmas autoridades ao conceder as certificações posteriormente anuladas. Seria o cumprimento do princípio constitucional do devido processo legal.
22. De acordo com este princípio constitucional, constante dos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição Federal, a Autoridade Administrativa não pode praticar ato que atinja direitos do administrado, sem antes lhe permitir o exercício do direito de defesa prévia relativamente a este mesmo ato. Relativamente a estes textos constitucionais, comenta o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Estão ai consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomas decisões gravosas a um determinado sujeito, ofereça-lhe a oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito de recorrer das decisões tomadas. Ou seja, a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais .”
23. Este procedimento das autoridades da SUFRAMA de baixar suas certificações sem o devido processo legal, termina por depor contra estas mesmas autoridades que sem qualquer apuração aceitam ter praticado a improbidade de certificação indevida de entrada de mercadoria na ZFM, aceitando que praticou ilícitos que, temos certeza, não foram praticados, se auto acusando de torpeza por certo inexistente.
(v) Infringência ao sobreprincípio da segurança jurídica.
24. Muitas criações humanas estão fundamentadas em axiomas, que são princípios indemonstráveis mais evidentes em cada conjunto de criações: na matemática a definição de linha reta (menor distância entre dois pontos), na química a lei da transformação (nada se perde nada se destrói, tudo se transforma), e assim por diante.
25. No sistema jurídico estes axiomas são por vezes denominados sobreprincípios, ou categorias jurídicas que embora não legisladas, informam e dão sustentação ao próprio sistema.
26. O sobreprincípio da segurança jurídica é um deles, e pode ser assim conceituado: é a certeza que têm os cidadãos no tocante à previsibilidade qunto aos efeitos do sistema jurídico ou, dito de outro modo, é a segurança guardada pelos cidadãos que o sistema jurídico será respeitado.
27. Este princípio também se aplica aos atos administrativos: o administrado por ter certeza de que o sistema jurídico é respeitado, também deve ter a segurança de que o ato administrativo certificador das suas operações será respeitado, e não revogado sem obediência aos ditames da legalidade, da publicidade, da motivação e do devido processo legal. Até porque todo ato administrativo goza da presunção de validade.
IV – Conclusões
28. Diante dos argumento até aqui colocados, se faz necessário que as Autoridades da SUFRAMA reconsiderem os procedimentos que vêm adotando nestas ditas “desinternações” pois além de estarem se submetendo sem quaisquer considerações aos desígnios das Fazendas Estaduais, estão descumprindo a Constituição e reconhecendo torpeza não praticada, depondo assim contra a tradição de lisura e respeito à lei da Autarquia.


1 – BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores. 30º edição. Fls. 389.
2 – BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores. 30º edição, fls. 79.
3 – MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo. Malheiros Editores. 38º edição, fls. 89.
4 – BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores. 30º edição, fls. 118.

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